Terceiro Domingo da Páscoa – Ressurreição: das cinzas às brasas

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3º Domingo da Páscoa — Ano C
Ressurreiçaõ: das cinzas às brasas na paria do mar de Tiberíades
“Logo que pisasaram a terra, viram brasas acesas,
com peixe em cima, e pão”. (Jo 20,27)
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ

O relato da última aparição de Jesus ressuscitado aos seus discípulos tem uma cena belíssima. Novamente juntos, na praia e entre redes, como no começo; novamente diante de um trabalho cansativo e ineficaz, como tantas vezes; novamente a dureza de cada dia, em um cotidiano sem Jesus, como antigamente.

No relato deste domingo, a comunidade eclesial é representada por sete discípulos (Pedro, Tomé, Natanael, Tiago, João e mais dois discípulos anônimos). No pensamento semítico, sete é o número simbólico da plenitude. Nos sete discípulos está representada a plenitude do novo Povo de Deus, a Igreja.
Mas, dos sete discípulos só cinco são nominados. Como no Evangelho de João, tudo é simbolicamente elaborado, também esse detalhe tem seu significado.
Podemos dizer que, nessa comunidade dos sete, nem todos encontraram a sua identidade. Estão em busca de um nome. Tudo ainda está aberto. Os discípulos anônimos também representam aqueles que mais tarde crerão em Cristo e farão parte da nova comunidade do Reino.

Os relatos das aparições nos Evangelhos nos põem em contato com a situação de uma longa série de pessoas desoladas. O “golpe” da Sexta-feira Santa não pôde ser bem interpretado, de imediato, por aquele grupo de pescadores e que tinha convivido com Jesus. Todos “fizeram mudança” em tempo de desolação. As esperanças se perderam, a bondade de Deus parecia se esconder para sempre, a lembrança de Jesus fora reduzida a um cadáver a respeitar, e, quem sabe, uma bonita história a esquecer.
O vazio, o abandono, a solidão, a escuridão da noite, a rotina do trabalho corriqueiro domina a paisagem do relato da aparição do Ressuscitado junto ao mar de Tiberíades. O que mudou na cotidianidade pós-pascal da comunidade? Aparentemente, tudo voltou à normalidade da vida corriqueira.

No entanto, a presença e o reconhecimento do Senhor dão ao trabalho profissional da pescaria uma nova dimensão. Não se trata mais de uma simples pescaria. Pescaria e pescadores tornam-se imagem da plenitude da vida e da unidade da missão.
Pedro e João representam qualidades humanas que precisam ser integradas na vida de cada um e nas comunidades: ação e contemplação, liderança e amabilidade.
No retorno à praia, depois da abundante pesca, encontram algumas brasas, que recordam aquela fogueira em torno à qual, alguns dias antes, o velho pescador Pedro jurou não conhecer Jesus, negando-o três vezes. Agora, junto ao fogo irmão, Jesus lava com misericórdia a fraqueza de Pedro, transformando para sempre seu barro frágil em pedra fiel. A fidelidade e o amor de Jesus, sua graça sempre pronta, o humaniza de novo, reconstruindo sua vida e reativando em Pedro a liderança para o serviço. Sem ironia, sem indiretas, sem pagamento de dívidas atrasadas. Por pura graça, gratuitamente.
O Pedro que emerge das cinzas, atravessado pelo fogo terapêutico do amigo Jesus, é um Pedro corajoso, decidido, mas também muito mais amoroso, capaz de superar preconceitos antigos. Jesus percebe que por debaixo das cinzas da negação e da traição de Pedro está escondida a nobreza de um homem que precisa ser ativada.

O mundo e o contexto social e religioso no qual vivemos não é o mesmo dos primeiros discípulos. No entanto, se a vida cristã tem alguma coisa a dizer ao mundo atual, não pode se fixar nos velhos moldes de uma religião fria, arcaica, centrada no ritualismo e no legalismo, entupida de cinzas e carente de brasas vitais. A essência do cristianismo está na identificação com o Crucificado-Ressuscitado; somos seguidores(as) de uma Pessoa que pôs abaixo uma religião tóxica, que alimentava medo, culpa e angústia.
O que os cristãos precisam claramente, neste momento de desânimo e de abatimento, não é de resignação medrosa, mas de vida e vitalidade. Precisam da ardente fé para empreender novos caminhos, com entusiasmo renovado e sem temor.

A vida cristã não morrerá se ativarmos as brasas das bem-aventuranças em nosso interior. Esse é o fogo que nunca se apaga, deixado por Jesus. Segui-lo significa viver no calor de sua intimidade, de sua amizade.
Se o cristianismo sofre um esvaziamento no momento presente, talvez seja porque se rende com muita facilidade diante do perigo de extinção, sem se dar conta do que significa “manter as brasas e avivar o fogo”. Onde deveria reinar a ousadia reina a resignação e a passividade; onde deveria estar presente o ardor, a criatividade, encontra-se a frieza, a indiferença, a petrificação da vida. A tentação consiste em fazer da sobrevivência a máxima aspiração, em vez de viver a vida plenamente, com toda profundidade e o entusiasmo que essa vocação cristã exige.
Foi isso que o Ressuscitado fez ao encontrar-se com os seus amigos e amigas: reacendeu as brasas do amor, da compaixão, da amizade, da missão, do sonho do Reino…

A “vida ressuscitada”, mais que prudência, conformidade ou conservadorismo que pretendem preservar as coisas do passado em lugar de sua sabedoria, requer audácia, precisa de membros adultos que resistam ao envelhecimento da vida e de jovens que resistam ao envelhecimento da alma.

Somos já “seres ressuscitados” e esta certeza não justifica uma vida ancorada numa maneira tradicional de “pescar”. A capacidade de lançar as redes do outro lado do barco revela criatividade, ousadia e desejo de sair do túmulo do tradicional e da normose (normalidade doentia). A capacidade de arriscar é a virtude que faz a ponte entre a vida cristã atual e o novo que está para vir.
É preciso passar das “cinzas” dos conflitos, ódios, intolerâncias… às brasas da praia do mar da Galileia: brasas de vida, de amor, de encontro, de partilha, de amizade, de missão.
Ali, as brasas são fogo, calor, alimento, eucaristia, páscoa, paz, comunidade…
A comunidade cristã é novamente reconstruída pelo Ressuscitado em torno às brasas, e não em torno às leis frias, aos ritos vazios, às devoções estéreis…

Estamos vivendo tempos de profundas mudanças, mas também emocionante e santo, para a Igreja. Existem poderosas brasas debaixo das cinzas.  O único que temos de fazer para avivar a chama é acolher o momento e vivê-lo com intensidade até suas últimas consequências.
Se não se pode agregar carvão ao fogo, então é preciso enterrar as brasas, levá-las a novos lugares para que possam arder de novo. Como manter o fogo neste momento? Agregar carvão e proteger as brasas são, simplesmente, diferentes partes do mesmo processo chamado vida em Deus, crescimento no compromisso, na espiritualidade, na santidade: “em sabedoria, idade e graça”.

No interior do Brasil, onde o fogão a lenha é ainda comum, as pessoas têm o hábito de enterrar, à noite, as brasas entre as cinzas, e assim manter vivo o fogo até a manhã seguinte.
Em lugar de limpar completamente o fogão, conservam-se as brasas incandescentes debaixo de camadas de cinza para poder acender o fogo rapidamente no dia seguinte. A preocupação principal é, pois, não deixar que o fogo do dia anterior se apague completamente ao final da jornada. Pelo contrário, as brasas escondidas debaixo da cinza durante a longa e escura noite ficam bem protegidas para que o fogo possa voltar de novo à vida, com as primeiras luzes da manhã.
O velho fogo não morre, mas conserva o seu calor, a fim de estar preparado para acender o novo fogo. A verdadeira questão é se permanece ainda suficiente fogo debaixo das cinzas de nossa vida para suscitar a energia necessária a fim de tornar nossa vivência cristã mais autêntica e comprometida. O encontro com o Ressuscitado é confirmação da missão recebida: “Tu me amas? Apascenta…”

Texto bíblico: Jo 21,1-14

Na oração: Todos e cada um de nós, que vivemos hoje o seguimento do Ressuscitado, somos portadores do novo fogo. Cada um de nós é transparência de sua vida.
Para vislumbrar o amanhã, o que temos de fazer é olhar para nós mesmos e nos perguntar: “brota uma energia profunda no meu coração? Percebe-se nele o desejo de um compromisso com o Evangelho? Aí há lugar para a audácia, a coragem, o fogo novo…? Ou se apagou o antigo fogo? É a vida agora simplesmente questão de suportar os dias e agir por inércia ou ela é lugar da criatividade, do calor humano, da energia inspiradora? Permanecem algumas brasas sob as cinzas da minha vida cristã?”

lustração da capa: IAS Agência (Liturgia Diária da Paulus, abril’2025 – p.108)

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