Solenidade da Santíssima— Ano C
Trindade: Pai, Palavra e Vento
“Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade”. (Jo 13)
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ
Todos nós já experimentamos, muitas vezes, a impossibilidade de comunicar algo muito profundo que sentimos ou vivemos; temos consciência de que não conseguimos nos fazer entender, porque não encontramos as palavras apropriadas para expressar nossos sentimentos mais nobres, nossos desejos mais oblativos, nossas inspirações mais elevadas. As palavras sempre são pobres e limitadas, pois não conseguem abarcar e expressar nossa realidade mais profunda.
As palavras são, de fato, o comunicador menos eficaz. São mais sujeitas a erros de interpretação e compreensão. E por que isso ocorre? Devido ao que as palavras são; elas são meramente expressões orais: ruídos que representam sentimentos, pensamentos e experiências; as palavras são símbolos, não são a verdade, a coisa real. As palavras podem nos ajudar a “entender” algo, mas é a experiência que nos permite “saber”, no sentido de saborear.
Algo semelhante ocorre com o Evangelho deste domingo, festa da Santíssima Trindade. O que Jesus tinha a dizer para seus discípulos, o que gostaria de lhes comunicar, excedia a capacidade de compreensão deles. Foi preciso que eles vivessem um processo no qual o Espírito, lentamente, os conduziu à verdade plena, completa. O verbo que João usa – conduzirá à plena verdade – evoca o colocar-se em movimento, dirigir-se para… Não se trata de compreender algo racionalmente, mas de situar-se de outro modo diante do Mistério de Deus, numa atitude de abertura e acolhida.
Ao longo dos séculos, os teólogos realizaram um grande esforço por aproximar-se do mistério de Deus, formulando com diferentes construções conceituais as relações que vinculam e diferenciam as três Pessoas divinas no seio da Trindade. Esforço louvável, sem dúvida, nascido do amor e do desejo de Deus.
No entanto, eles abandonaram o estilo de Jesus, pensaram que com a razão poderiam ter acesso à intimidade de Deus; esqueceram a centralidade da experiência d’Ele e elaboraram alguns conceitos que passaram longe do mistério inesgotável da Comunidade Divina.
De fato, de Deus só conhecemos o que Ele mesmo revelou de si mesmo. Por isso, o ponto de partida deve ser sempre Jesus, porque o eixo fundamental de quem o segue é crer n’Ele como visibilidade de Deus, sem pôr em dúvida sua humanidade. Deus se dá a conhecer a nós em Jesus e se comunica conosco através de Jesus; portanto, crer n’Ele é crer que, não só seus ditos, mas toda sua vida é “Palavra de Deus”. Ele é a presença visível da comunhão Trinitária. Jesus não fala muito de Deus; simplesmente nos oferece sua experiência de Filho.
E Jesus é bem claro: O Pai vive n’Ele e Ele no Pai; e a Trindade vive também em nós. Somos moradas da Santíssima Trindade. Pertencemos ao mistério de Deus. E Deus pertence ao mistério de cada ser humano.
A Trindade habita em nós e nós habitamos nela. Não estamos vazios; podemos estar sozinhos, mas não vazios. Pode acontecer que não estejamos em nossa casa, mas continuamos habitados; pode ser que não tenhamos com quem falar, mas sempre tem os Três com quem dialogar todo dia. Pode ser que ninguém nos conheça, mas sempre há em nós uma Presença que nos conhece profundamente.
Esta experiência de “habitar” na Trindade e deixar que a Trindade nos “habite” pode transformar a raiz de nossa existência. Quanta nobreza! Esse intercambio mútuo, esta comunhão estreita, difícil de expressar com palavras, constitui a verdadeira relação do(a) discípulo(a) de Jesus com a Trindade. Aqui está a essência da nossa verdadeira identidade: somos sustentados(as) pela força e pela providência trinitária.
É preciso também ter presente que o dogma da Santíssima Trindade se revela muito distante para a linguagem de hoje e a razão não nos ajuda a viver este Mistério. No entanto, se formos além da sua formulação dogmática, poderemos descobrir a raiz evangélica que nela se esconde, ou seja, é em Jesus que descobrimos que Deus é para nós “Abbá, Verbo e Ruah” (Pai, Palavra e Vento).
Contemplando a Jesus vemos, pois, que Deus é o Pai Providente que sempre nos ampara, a Palavra que nos guia pela vida e o Vento que nos ajuda a caminhar. Deus se comunica conosco (Palavra), atua em nós (Espírito) e é nosso Pai (Abbá). E isto significa que Deus não é um ser “misterioso” e insondável, mas um semeador que espalha a semente da Palavra continuamente e nos consola em nossa peregrinação pela vida.
De fato, quando escutamos Jesus falar de Deus, ou quando Deus nos fala de si mesmo através de Jesus, ficamos assombrados, porque não menciona nenhuma das qualidades maravilhosas que sempre lhe atribuímos, mas nos fala de Abbá, o Pai que sai, a cada entardecer, a esperar pela volta do seu filho perdido.
Jesus chama Deus de “Abbá” e o experimenta como um mistério de bondade; revela como uma Presença bondosa que abençoa a vida e atrai seus filhos e filhas a lutar contra tudo o que causa dano ao ser humano. Para Jesus, esse mistério último da realidade que chamamos “Deus” é uma Presença próxima e amistosa que está abrindo caminho no mundo para construir, conosco e junto a nós, uma vida mais humana.
Quando vemos Jesus dedicar sua vida a ensinar e a aliviar o sofrimento humano sem descanso, ou o vemos rodeado de multidões que lhe seguem fascinados, ou escutamos seus critérios poderosos de vida, ou o vemos capaz de levar sua fidelidade à missão até as últimas consequências… cremos que n’Ele “sopra” um vento irresistível, o “Vento de Deus”; é o mesmo Espírito (a Ruah de Deus) que impulsiona a humanidade e que atua em cada um de nós.
Jesus atua sempre impulsionado pelo “Espírito” de Deus; este é o amor do Pai que o envia a anunciar aos pobres a Boa Notícia de seu projeto salvador. É o alento de Deus que o move a curar a vida. É sua força salvadora que se manifesta em toda sua trajetória profética.
Este Espírito não se apagará no mundo quando Jesus se ausentar. Ele mesmo promete enviá-lo a seus discípulos. A força do Espírito os fará testemunhas de Jesus, Filho de Deus, e colaboradores do projeto salvador do Pai. Assim, como cristãos, vivemos na prática o mistério da Trindade.
Por fim, Jesus se experimenta a si mesmo como “Filho Amado” de Deus, nascido para impulsionar na terra o projeto humanizador do Pai e para levá-lo à sua plenitude definitiva, inclusive acima da morte. Por isso, busca em todo momento o que o Pai deseja. Sua fidelidade a Ele o conduz a buscar sempre o bem de seus filhos e filhas. Sua paixão por Deus se traduz em compaixão por todos aqueles que sofrem.
Em sintonia com o Pai, a existência inteira de Jesus consiste em curar a vida e aliviar o sofrimento, defender as vítimas e reclamar para elas justiça, semear gestos de bondade e oferecer a todos a misericórdia e o perdão gratuito de Deus: a salvação que vem do Pai.
Assim, somos um “mistério trinitário”; somos o mistério do Pai que nos gera; somos o mistério do Filho que nos revela a nós mesmos; somos o mistério do Espírito Santo que nos faz amadurecer em primavera de graça. Cada uma das Pessoas tem sua maneira original de agir em nós; cada uma tem sua própria obra em nós; cada uma tem seu próprio momento em nossas vidas. E nós somos fruto das três Pessoas.
Texto bíblico: Jo 16,12-15
Na oração: Como traduzir hoje, através da arte, a imagem clássica da Trindade representando um ancião, sentado junto a outro varão mais jovem, uma pombinha no centro e uma multidão de anjinhos ao redor?
— Como traduzimos e vivemos a experiência de Jesus que nos convida a chamar “Abbá” Àquele que nos deu a vida e nos envia a comunicá-la aos outros? Como encarnamos suas palavras, seus gestos, suas prioridades para nos identificar cada vez mais com Ele?
— Como nos conectamos continuamente com o Paráclito que nos foi dado? Com que outras imagens e símbolos o expressaríamos hoje?
lustração da capa: IAS Agência (Liturgia Diária da Paulus, junho’2025 – p.61)