Solenidade da Assunção de Maria – A mulher dos olhos contemplativos

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Solenidade da Assunção de Maria — Ano C
Maria, a mulher dos olhos contemplativos
“… porque Ele olhou para a humildade de sua serva”. (Lc 1,48)
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ

O dogma da Assunção afirma que Maria, mãe de Jesus, “subiu ao céu como mulher plena”.
A festa da Assunção nos revela que em Maria realiza-se a situação final, situação prometida a toda humanidade: “ser um dia de Deus e para Deus”; Maria o é desde o início (imaculada) até o final (assunção), através de uma fidelidade de toda a sua vida.
Maria foi “assunta ao céu” porque “levantou-se apressadamente” em direção ao serviço; ela foi “assunta” porque assumiu tudo o que é humano, porque “desceu” e se comprometeu com a história dos pequenos e marginalizados. Maria foi glorificada porque se fez radicalmente “humana”; foi “assunta ao céu” porque sempre foi “olhada” por Deus, que a engrandeceu plenamente.

“Alegra-se meu espírito em Deus meu Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva”, canta Maria no seu “Magnificat”, reconhecendo que nesse olhar divino está a fonte de seu júbilo: Deus se inclinou para ela, a envolveu em sua ternura e a inundou de graça. E Maria, ao sentir-se assim olhada, se alegra até às raízes mais profundas de seu ser.
Mas, sem deter-se aí, dirige seus olhos para onde Deus sempre olha, e contempla a história com o mesmo olhar na qual se sentiu envolvida. Aproxima-se da “janela” da realidade com olhos novos, com um realismo consciente da fragilidade das pessoas e da dureza da vida: há famintos, pobres e humilhados; há ambições e poderes opressores que são a causa da tanta miséria e violência.
Maria não se deixa enganar pelas aparências, pois revela-se capaz de perfurar a realidade e ver as coisas, as pessoas e as relações tal como Deus as vê. Por isso, adianta-se a contemplar os famintos já saciados, os humildes e abatidos já exaltados e os ricos e poderosos despedidos de mãos vazias.

Porque “sentiu-se olhada amorosamente por Deus” Maria se revela com olhos contemplativos; brilham neles traços de ternura, de compreensão e amor compassivo, que atraem como imã. São olhos que expressam amor, proximidade, sensibilidade, interesse pela realidade. É o olhar da pessoa próxima que se “põe na pele do outro”, o olhar da pessoa que se deixa afetar.

Podemos dizer que Maria tem “olhos oblativos”, comprometidos. “Faz-te olhar”, recomenda Rumi, o místico sufi do século XIII, com sua costumeira simplicidade e determinação.
Maria tem os olhos grandes da mulher contemplativa; olhos abertos e serenos, voltados para o mistério interior e exterior. Tudo cabe sob o amparo desta fonte cálida.
Há um adágio latino que diz: “ubi amor, ibi oculus”. “Onde há amor, ali está o olhar”. O amor direciona o olhar, a atenção e o cuidado para aquilo que se ama. E onde está o olhar, o amor passa do coração aos pés e às mãos. O amor vê o que os olhos não veem. O amor vê o que os egoístas não veem. O amor vê e não pensa duas vezes. O amor não espera chamadas.
Não basta ver as coisas a partir de longe; nem basta saber que os outros precisam de ajuda; não basta saber que os outros estão sós e necessitados.
Na Bíblia, “pôr os olhos” é “pôr o coração”. Maria põe seu coração em toda a realidade, em todos os homens e mulheres, seus filhos e filhas; Maria, a contemplativa, é a mulher mística “de olhos abertos”, tocando a terra; assim é a genuína fé cristã, bem enraizada sempre na realidade.
Assim é Maria, revelada pelos evangelhos: uma mulher que se “deixa afetar”, de olhar contemplativo e estremecida de júbilo em Deus, em pé e mobilizada, uma mulher que bendiz e se põe a serviço.
É assim que a encontramos na casa de Isabel, na sua visitação e estadia como servidora.

Maria é a mulher contemplativa, mulher aberta e atenta a Deus e à realidade, ou melhor, a Deus-na-realidade. São olhos de uma mulher mística e profetisa: mística, ou seja, capaz de ver a Deus em tudo e tudo em Deus (“a minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador”); e profetisa, capaz de ver tudo com os “olhos” de Deus; olhos que proclamam as maravilhadas e que denunciam as mazelas daqueles que são ambiciosos e rompem a comunhão.
No Magnificat de Maria encontramos uma mulher lúcida, comprometida com a história de seu povo, crítica da ordem estabelecida, na linha dos profetas de Israel.

No Evangelho deste domingo, Maria revela-se disposta, pronta a empreender o caminho em direção à casa de sua prima; inteira em sua atenção profunda e aberta para a ação. É a mulher que “se pôs a caminho e foi às pressas à montanha, a uma cidade de Judá”;
Em Maria vemos uma pessoa de pé, pronta, mobilizada, com talante, capaz de olhar com o coração, deixando-se afetar pela realidade, vivendo a alegria de crer e fazendo de sua vida uma benção.
Como mulher “resolvida”, Maria é transparência de Deus. Nela vemos que “o que é próprio de Deus” não é prioritariamente um assunto de doutrina nem de moral, mas um assunto de “entranhas”, de vida.
Porque experimentou a Deus como fonte de vida, ela explodiu em louvor, mostrando que a fonte da alegria só a encontramos no Deus da Vida: esse é seu canto. Ela também, como Jesus, nos comunica algo extraordinário: o verdadeiramente humano é transparência de Deus.

Contra certas imagens de Maria que predominaram e predominam no imaginário cristão, o evangelho nos revela uma mulher decidida, segura de si e, ao mesmo tempo, voltada para os demais. Tinha olhar atento, inclusive “perscrutador”, para inteirar-se do que acontecia ao seu redor, não para alimentar curiosidade, mas para colocar-se à disposição; seu olhar oblativo parte do movimento interior, despertado pelo seu “sim” a Deus; daí brota sua “responsabilidade” como colaboradora: Maria é a mulher “responsável”, a partir de sua autonomia e seu serviço.

Para viver a fidelidade autêntica ao Evangelho, precisamos ser, como Maria, místicos e profetas: capazes de ver a Deus em toda realidade e de ver toda a realidade com os olhos de Deus. Precisamos, em definitiva, sentir-nos entranhavelmente amados(as) e benditos(as), para poder fazer de nossa vida uma benção, para nós mesmos(as) e para os outros. Precisamos sentir o que Maria experimentou: “Deus olhou com bondade minha pequenez”; em nossa “pequenez” Deus continua realizando maravilhas e nos olha (“põe seu coração em nós”), sempre e incondicionalmente, com bondade e misericórdia, querendo só nosso bem.
Este é o Seu desejo para todos nós: que sejamos pessoas a caminho da completude e plenitude humana: em Deus, já somos “assuntos(as), ou seja, pura transparência d’Ele.

Assim, o mistério da Assunção de Maria torna-se uma inspirada referência para aclarar melhor o mistério de cada um de nós. Porque em Maria se encontra realizado aquilo que todos aspiramos: viver no fluxo da santidade divina; todos aspiramos a uma plenitude que, saibamos ou não, só Deus pode saciar.
Maria, “cheia de graça”, “cheia de Deus”, é a realização plena de todas as nossas aspirações.

Por outra parte, além de uma vida plena, todos aspiramos a uma vida duradoura. Vida plena que permaneça, vida cheia de Deus e eterna. Na Assunção de Maria se realiza esta outra grande aspiração humana: viver para sempre, unidos(as) a Deus, fonte de toda vida. E viver com toda nossa realidade, plenificada em todas as suas dimensões. O pensador Kierkegaard afirmou que quando o ser humano ignora o eterno que há nele, sente o vazio, a angústia e o desespero.
Maria, na plenitude, é o referente do qual todos almejamos: que nada nos falte, que todos os aspectos e dimensões de nossa vida estejam plenificadas e saciadas. É este o significado do dom da salvação, oferecida por Aquele que a todos nos eleva. A salvação é um projeto de vida feliz, estável e completa, no qual todos os nossos desejos estão plenamente saciados. Isso é o que, com outras palavras, o dogma da Assunção diz de Maria. Essa é a esperança cristã. Por isso, Maria é transparência de nosso próprio mistério.

Texto bíblico: Lc 1,39-56

Na oração: Ao longo da oração peça que as palavras de louvor e de libertação cantadas por Maria penetrem no seu coração e deixem bro-tar frutos de conversão, de alegria e de gratidão; peça especialmente a graça de cantar com um cora-ção transbordante de júbilo, pela salvação recebi-da. Peça também que as palavras do Magnificat transformem seus valores, suas atitudes e suas prá-ticas na linha da justiça e da misericórdia do Evan-gelho do Reino, proclamado por Jesus e antecipado no cântico de sua mãe.
— Rezar as “marcas salvíficas” de Deus na sua própria história pessoal.

Ilustração: IAS Agência (Liturgia Diária da Paulus, agosto’2025 – p.65)

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