33º Domingo do Tempo Comum – Exortações para tempos desafiadores

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33º Domingo do Tempo Comum — Ano C
Exortações para tempos desafiadores
“Todos vos odiarão por causa do meu nome”. (Lc 21,17)
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ

Estamos no penúltimo domingo do ano litúrgico; no último, celebraremos a festa de Cristo Rei, que vem culminar todo o percurso celebrativo.
O relato deste domingo nos situa no Templo de Jerusalém, final do percurso missionário de Jesus, marcado por oposições, conflitos e rejeições.

Aqui Jesus se depara com uma situação na qual a construção magnífica do templo de Jerusalém alimentava a fé dos judeus a tal ponto que a arquitetura e o poder da religião eram mais significativos que o próprio Deus de Israel. Jesus desmascara uma religião na qual eram mais importantes os sacrifícios, o ritual, a construção majestosa que as atitudes exigidas pelo mesmo Deus para um verdadeiro culto a Ele: a misericórdia e a justiça. Por isso Jesus afirma que o Templo será destruído; este já não era mais o lugar de uma relação legítima com Deus e com os outros, pois alimentava grandes divisões sociais e injustiças que contradiziam a finalidade de um “espaço sagrado”.
Para que o Reino de Deus pudesse ser instaurado era preciso “derrubar o templo”, transformado em lugar de comércio e princípio de idolatria, sinal de patologia religiosa. Com o templo cairiam outras funções: a econômica, a política e a religiosa.

Ou seja, todos admiravam a beleza exterior do templo. Mas ninguém admirava sua beleza interior; ninguém admirava a presença de Deus no templo; ninguém admirava a vida de fé daqueles que visitavam o templo.
O melhor que poderia acontecer era que o Templo fosse destruído, pois só assim os judeus poderiam redescobrir sua verdadeira identidade e sua vocação de povo eleito.
Igualmente, o melhor que pode acontecer a uma instituição religiosa, cercada de muralhas e grandes pedras, é que “tudo seja destruído”, pois só assim é que se pode descobrir a verdade do evangelho na sua pureza e a essência da identidade cristã: uma comunidade de seguidores(as) de Jesus.

Para Jesus, a beleza da comunidade cristã não está na suntuosidade de seus templos e ritos, mas na coerência de vida, inspirada nos valores do Evangelho; e quem vive a fidelidade no seguimento d’Ele poderá encontrar oposições, incompreensões, perseguições até dentro da própria família.
As raízes do cristianismo estão regadas com o sangue dos mártires; a árvore do cristianismo está fortalecida com a perseguição e o martírio.

No contexto da “destruição do Templo”, Jesus nos convida a não nos fixar nas “pedras”, mas ampliar o olhar para o “mais além”. A linguagem apocalíptica e escatológica (fim último), tão comum na época de Jesus, é muito difícil de ser entendida hoje. Corresponde a uma outra visão de Deus, do ser humano e da realidade, diferente da nossa. Mais uma vez os discípulos se mostram mais interessados pela questão do “quando” e do “como” do que pela mensagem em si.

No entanto, Jesus introduz elementos novos que mudam a essência da “visão apocalíptica”. Para Ele, o decisivo não é tanto o fim, mas a atitude de cada um diante da realidade atual.
“Cuidado para não serdes enganados!” A advertência vale para hoje também. Nem o fim, nem as catástrofes têm importância se soubermos manter a atitude de plena confiança n’Aquele que é o Senhor dos tempos. A realidade não nos deve perturbar. Tudo passa, mas a essência permanece.

O “gênero apocalíptico” (revelação), ao qual pertence o relato de hoje, se referia à gestação de um “mundo novo”, de um novo e definitivo estado de coisas, através de imagens que mais tarde foram designadas precisamente como “apocalípticas”: guerras, epidemias, fome, terremotos e movimentos estrelares, que semeiam confusão, desolação, pânico e morte.  Tudo isso significava que estava sendo derrubado a “velha ordem” de injustiça e que daria lugar ao nascimento de um mundo novo, mais justo e fraterno.

Em meio a essa descrição de calamidades de todo tipo, eleva-se firme o convite à confiança por parte de Jesus: “Não perdereis um só fio de cabelo de vossa cabeça; é permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!”. A confiança se enraíza, mais uma vez, na compreensão daquilo que somos na essência: somos habitados por uma Presença pacificadora e consoladora As palavras de Jesus poderiam ser traduzidas deste modo: “o que realmente somos se encontra sempre a salvo”.

A segurança da vida não pode ser dada pela ausência de conflitos, nem pela promessa de felicidade, mas pela confiança em Deus. Tampouco devemos continuar edificando “templos” que nos deem seguranças. Nem organogramas, nem doutrinas, nem estruturas legalistas e ritualistas garantem nossa salvação. Pelo contrário, o desaparecimento dessas seguranças deve nos ajudar a buscar nossa verdadeira salvação. Já dizia Santo Ambrósio: “os imperadores romanos nos ajudavam mais quando nos perseguiam que quando nos protegiam”.

O essencial da mensagem de hoje está na importância do momento presente frente aos medos diante de um passado tenebroso ou pelas especulações sobre o futuro. “Aqui e agora” podemos descobrir nossa plenitude. Aqui e agora podemos tocar a eternidade. Hoje mesmo podemos plenificar o tempo e abrir-nos ao Absoluto. Nesse instante podemos viver a totalidade, não só de nosso ser individual, mas a “totalidade” do que existiu, existe e existirá. Para quem está desperto não há diferença nenhuma entre o passado, o presente e o futuro; ele vive sintonizado no “Hoje eterno” de Deus.

As profundas transformações sociais, econômicas, políticas, culturais que estão acontecendo em nossos dias e a crise religiosa que sacode as raízes do cristianismo, nos desafiam a buscar em Jesus a luz e a força que precisamos para ler, interpretar e viver estes tempos de maneira lúcida e responsável. Mais do que nunca, faz-se urgente ativar o dom do discernimento, para não permanecermos nas aparências e fenômenos que parecem nos assustar e fundamentar nossas vidas no essencial: fidelidade ao seguimento de Jesus.

Em nenhum momento Jesus propõe aos seus seguidores um caminho fácil de êxito e glória. Pelo contrário, lhes dá a entender que a longa história da vida cristã estará cheia de desafios e dificuldades. É contrário ao espírito de Jesus cultivar o triunfalismo ou alimentar a nostalgia de grandezas. O caminho do seguimento, marcado por conflitos e perseguições, está mais de acordo com uma Igreja fiel a seu Senhor.

Em momentos de crise, desconcerto e confusão como estes que estamos vivendo, não é estranho que apareçam pessoas com suas mensagens e revelações mirabolantes, totalmente contrárias aos do Evangelho. Estas são as instruções de Jesus: em primeiro lugar, “cuidado para não serdes enganados”; não cair na ingenuidade de dar crédito a mensagens alheias ao evangelho, nem fora nem dentro da Igreja.
Portanto, “não sigais essa gente!”; não seguir aqueles que nos separam de Jesus Cristo, único fundamento e origem e nossa fé.

Cada geração cristã tem seus próprios problemas, dificuldades e buscas. Não devemos perder a calma, mas assumir nossa própria responsabilidade. Não nos é pedido nada que esteja acima de nossas forças. Contamos com a ajuda do mesmo Jesus: “Eu mesmo vos darei palavras e sabedoria…” Inclusive em um ambiente hostil de rejeição ou desafeto, podemos viver o evangelho com mais coerência e cultivar um estilo de vida cristã com mais lucidez, paciência e perseverança.
Os tempos difíceis não devem ser tempos para lamentações, saudades ou desânimo. Não é hora da resignação, da passividade ou da desistência. A ideia de Jesus é outra: em tempos difíceis “será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé”. É precisamente nestes momentos quando devemos reavivar entre nós o chamado a sermos testemunhas humildes, mas convincente, de Jesus, de sua mensagem e de seu projeto.

Texto bíblico:  Lc 21,5-19

Na oração: Onde e em quem você alimenta sua confiança?
— Como lhe afetam as grandes crises que estamos vivendo no atual contexto social, político, religioso?
— Onde você se enraíza para superar os tempos turbulentos que nos envolvem?
— Você costuma “dar ouvidos” aos fanáticos da atualidade, sobretudo no campo religioso, que aproveitam destes momentos difíceis para alimentar medos, inseguranças…?

Ilustração: IAS Agência (Liturgia Diária da Paulus, novembro’2025 – p.67)

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