12º Domingo do Tempo Comum — Ano C
Retornar a Jesus
“E vós, quem dizeis que eu sou”. (Lc 9,20)
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ
As primeiras comunidades cristãs conservaram a recordação deste episódio evangélico como um relato de importância vital para os seguidores de Jesus. Sua intuição foi certeira: sabiam que a comunidade de Jesus deveria escutar permanentemente a pergunta que um dia Jesus fizera a seus discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?” A resposta a esta pergunta não cabe numa fórmula ou numa definição da identidade de Jesus.
Mas, o fato de fazer esta pergunta instigante mantém acesa a chama do seguimento e identificação com Ele.
De fato, se nas comunidades cristãs deixamos apagar nossa fé em Jesus, esvaziamos nossa identidade cristã. Não somos chamados a “seguir uma religião” (com seus ritos, doutrinas, normas…), mas uma Pessoa; isso tem implicações sérias na nossa vocação cristã, ou seja, prolongar o modo de ser e agir do próprio Jesus.
Quando nos distanciamos d’Ele através de “práticas religiosas” estéreis e vazias de compromisso, não conseguiremos viver com audácia criadora a missão que o próprio Jesus nos confiou; não nos atreveremos a seguir os Seus passos; o Evangelho irá se converter em letra morta; nada novo e verdadeiro nascerá entre nós; não teremos a força para construir um mundo mais humano; a comunhão da Igreja se partirá, a nossa esperança apagar-se-á; não nos atreveremos a enfrentar o momento atual, abertos à novidade do Seu Espírito; seguiremos adormecidos na nossa religião burguesa e nos asfixiaremos em nossa mediocridade.
Se não retornarmos a Jesus com mais verdade e fidelidade, a desorientação irá nos paralisando, nosso anúncio da Boa Notícia continuará perdendo credibilidade, nossas orações serão palavras vazias, crescerão as divisões, apagar-se-á o diálogo e aumentará a intolerância…
Jesus é a chave, o fundamento e a fonte de tudo o que somos, dizemos e fazemos.
Segundo o Evangelho deste domingo, ao longo do percurso de sua vida pública, Jesus revelou-se como uma “presença instigante”, ou seja, com suas “perguntas” ajudou cada pessoa a desvelar e aprofundar sua vivência no seguimento, a descrever seus “estados de ânimo”, a vislumbrar o sentido daquilo que estavam buscando…
A originalidade da presença de Jesus não consistia em comunicar uma doutrina, uma teologia, uma moral… nem oferecer “respostas prontas”, mas em ser “provocador” das grandes questões existenciais e desafiadoras, dirigidas a cada um, possibilitando-o acesso às reservas interiores de criatividade e imaginação.
Mais ainda: a presença “provocativa” de Jesus reacendeu nos seus discípulos este atributo tão humano, que é a capacidade de questionar-se para buscar um sentido para a própria existência.
Hoje, as mesmas perguntas feitas pelo próprio Jesus colocam o seu seguidor em contínua busca, sintetizada na expressão “buscar e encontrar a Vontade de Deus”. São perguntas que o abrem para o futuro, para o novo, para uma decisão…
A pergunta de Jesus – que Lucas apresenta em um contexto de oração – é uma pergunta expansiva e nos afeta a todos nós, seguidores(as) d’Ele: É uma pergunta onde não valem respostas secas (“um profeta”) nem respostas aprendidas (teologicamente corretas), porque remetem à vivência pessoal e única de cada um.
Identificar-se com Jesus tem um preço: significa viver a fidelidade a uma causa, a do Reino, até o fim, contando com o risco de perseguição, de rejeição e de cruz.
Uma leitura superficial do evangelho de hoje pode dar a impressão de que o cristianismo é a religião que preconiza o sofrimento, a renúncia, a negação de si mesmo, o esvaziamento da própria identidade. O sofrimento foi de tal modo exaltado que levou muita gente a viver na passividade e resignação, esvaziando o sentido do seguimento e bloqueando a esperança. De fato, existem sofrimentos que são vazios, sem sentido, insensatos…, pois fecham a pessoa em si mesma, na sua aflição e angústia; não apontam para o futuro, para a vida.
Como consequência, a Cruz ocupou o primeiro lugar e tudo passou a girar em torno a ela.
Mas, Jesus não buscou a dor nem negou a vida. Ele não veio complicar a vida com mais leis, ritos, doutrinas…, alimentando culpa e sofrimento naqueles que o seguem.
Pelo contrário, a missão primeira de Jesus foi a de aliviar toda dor humana. Por isso, suas inumeráveis curas relatadas nos evangelhos. Suas palavras não foram uma exaltação do sofrimento, senão que expressaram uma grande sabedoria: elas buscaram “despertar” as pessoas para que pudessem viver mais intensamente e perceber a melhor atitude frente à vida; elas condensaram o significado de uma vida vivida por Jesus na fidelidade ao Pai que deseja que todos vivam intensamente.
Aqui encontramos o sentido da verdadeira “renúncia”, anunciada e vivida pelo próprio Jesus. Medíocre é a pessoa que, presa ao seu “ego”, não ousa, não arrisca, pois perdeu a capacidade de criar e inovar.
No fundo, “renunciar a nós mesmos” se revela como a grande possibilidade de salvar nosso próprio ser.
A renúncia do próprio “ego” – a virtude da abnegação – é um caminho de libertação, que nega para afirmar, que abandona para acolher, que faz percorrer um caminho de um “ego ensimesmado” a um “eu verdadeiro” e aberto a tudo.
A afirmação – “quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la” – não é um exagero e nem um desprezo pela vida. Fazer com que tudo gire em torno ao nosso falso “eu” é dar importância em nós ao que menos vale. Não deixaremos de ser egoístas se mantivermos o apego ao “ego”. Na medida em que colocamos como objetivo último salvar nosso “ego”, viveremos como egoístas e, portanto, nos perderemos como pessoa.
“Perder a vida” (o grego original não diz “bios”, nem “zoos”, mas “psyché” – “eu psicológico”) significa não se reduzir ao “eu superficial” ou “ego”. Trata-se de negar a “ilusão do eu”, para acessar à Vida, que é nossa verdadeira identidade. Porque só quando deixamos de nos identificar com o “ego”, tomamos consciência da Vida que somos. Essa é a Vida de que fala o evangelho, a mesma Vida que Jesus viveu, com a qual Ele mesmo estava identificado (“eu sou a Vida”) e que buscou despertar nos seus seguidores.
Todos nós carregamos capacidades ainda adormecidas, potencialidades quase divinas que, em alguns momentos privilegiados, descobrimos em nosso interior. E, no entanto, ao mesmo tempo, estremecemos com nossa fraqueza, com nossa incapacidade, com nossos receios, diante dessas mesmas possibilidades.
Deixar-nos determinar pelo “ego atrofiado” implica cair num conformismo doentio e na mediocridade tranquila e temerosa; ou seja, medo de ir além de nós mesmos, para além de nossas capacidades. Quem tem medo afunda-se no mar escuro e revolto da vida.
“Renunciar a nós mesmos” – “perder a nossa vida”, desvela um dinamismo ou força de morte em nosso interior, marcado pelo medo de ir além de nós mesmos; trata-se do medo de nossa própria grandeza, o medo da nossa missão, medo da vastidão dos nossos sonhos… Por não termos horizontes, nós nos limitamos ao nosso modo habitual e fechado de viver; acomodamo-nos e não fazemos a travessia; não fazemos as coisas com paixão e com criatividade.
Há uma obesidade espiritual, a do próprio “ego”, que provém de nossa “gula” existencial, ou seja, alimentar-nos dos restos de vaidade, soberba, autocentramento… A configuração com Jesus Cristo exige uma terapia de emagrecimento espiritual, que se realiza através do esvaziamento interior, da abnegação, da renúncia de querer ser o centro de tudo…
Para isso é preciso “renunciar a tudo” para sermos pessoas plenificadas, no amor e na partilha. “Renunciar a tudo” para que outros possam viver, para que todos possam compartilhar fraternalmente tudo.
Texto bíblico: Lc 9,18-24
Na oração: Jesus faz duas perguntas comprometedoras aos discípulos: “Quem diz o povo que eu sou?” – “E vós, quem dizeis que eu sou?”
— Agora, inverta o sentido da pergunta: “Senhor, que pensas de mim como pessoa, como cristão(ã)”?
— “Em que situações minha vida tem semelhanças com a tua Vida?”
— “Onde minha vida se distancia de tua Vida, revelando-se achatada, estéril, vazia, sem compromisso?”
lustração da capa: IAS Agência (Liturgia Diária da Paulus, junho’2025 – p.86)