JESUS RECONSTROI A NATUREZA FERIDA

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Pe. Adroaldo Palaoro, SJ

“Em colóquio com seus discípulos, Jesus convidava-os a reconhecer a relação paterna que Deus tem com todas as criaturas e recordava-lhes, com comovente ternura, como cada uma delas era importante aos olhos dele!” (Laudato Si, n. 96)

 

Todas as religiões e culturas se servem de relatos para revelar a verdade e fazer chegar até nós a sabedoria de nossos antepassados. A revelação mais antiga e universal é que a Terra e todas as suas criaturas, assim como o ar, o solo, a pedra e a água são sagrados, e que esta verdade deve refletir-se em nossas vidas.

Como cristãos, seguir Jesus Cristo hoje é adquirir conhecimento e experiência consciente desta história oculta e sagrada. Com efeito, a Terra acolheu Jesus como acolhe toda pessoa que vem a este mundo. É a casa verdadeira, a mais básica. Jesus sentiu a companhia desta Terra que é irmã e mãe.
Os Evangelhos destacam de muitas maneiras a boa relação que Ele teve com a Terra. Jesus soube viver as noites e empregá-las, para além de sua solidão e aspereza, para encontrar sentido e para dar profundidade às suas atuações mais decisivas.
Desfrutou dos caminhos andados, dos campos semeados, do vento que se assemelha ao Espírito, das árvo-res que empregará como parábolas do Reino, das vinhas que serão símbolo de sua oferta em novidade…
Experimentou a dureza da Terra, sua aspereza no deserto e o calor de seu abrigo à hora da morte; pisou o chão de terra batida, machucada, rasgada… Teve uma mentalidade inclusiva porque, no fundo, entendeu que tudo estava relacionado e que as coisas e as pessoas espreitam o mesmo horizonte.

Na 2ª. Semana dos EE alimentamos nossa relação com Deus e com a Criação; ou, formulando de maneira mais adequada, nossa relação com Deus passa através da natureza. Pedimos a graça do conhecimento interno de Jesus, aquele Jesus que sempre manteve uma relação íntima com a Criação.
Seu ministério começou com quarenta dias no deserto e terminou no horto do Getsêmani; Ele viveu experiências místicas na montanha (a transfiguração) e nas águas do Jordão (batismo).
Seus relatos e parábolas utilizam as imagens da natureza para explicar o Reino de Deus. Este é o Jesus com quem nossa relação se faz mais profunda.

É impressionante que o núcleo central das parábolas de Jesus é formado por imagens que “ligam”, que integram e comprometem. O fermento da relação é que constitui o material do Reino de Deus.

É precisamente o sentido particular da relação pessoal de Jesus com a Trindade, com os demais seres humanos e com o mundo que nos permite descobrir o significado espiritual da dimensão da “relação”.
O relato da Encarnação nos faz ser conscientes da atitude da Trindade na sua relação com o cosmos.
Em Jesus Cristo, nos fazemos conscientes da conexão que há entre todos os seres humanos e destes com todas as demais criaturas e com o Criador. Ele não só tornou próximo um Deus cujo próprio ser é relacional (cerne da doutrina cristã da Trindade), mas revelou que o caminho para a plenitude e a transformação consiste numa correta e justa relação e conexão entre todos os seres.
Na verdade, Ele chamou o ser humano a sair de seu mundo fechado, de seu isolamento e padrões alienados de relacionamento para expandir-se em direção a uma nova forma relacional com tudo o que existe; tal relação é a concretização do sonho do Reino de Deus.

Isto significa que o discípulo de Jesus deve apresentar um estilo de vida completamente contrário à ética do individualismo consumista e do domínio competitivo do mundo atual.
O olhar de Jesus sobre a Criação, tal qual o apresenta Mt 6,26-36, se alimenta de sua relação com o Pai; trata-se de um olhar e de um receber que se faz abandono confiante ao Pai.
A primeira atitude diante da Criação é a de reaprender a olhar, a observar: “olhai”. Ele nos chama a um olhar novo e ao mesmo tempo antigo sobre a Criação: o da maravilha diante de uma natureza dada para acender em nós o assombro, a emoção e o encanto.
No fundo, trata-se do mesmo olhar que Deus, segundo Gn 1, teve diante de sua criação (“… e Deus viu que era belo, bom”). A natureza dada desperta o olhar receptivo daquele que a acolhe como dom e como promessa.

A primeira relação do ser humano com a Criação, portanto, não é a da posse, nem a da pergunta pelo seu porquê, mas a da acolhida em seu ser dado. A forma dessa acolhida é a maravilha de sua presença e o temor diante de sua possível perda. Essa é a primeira experiência que todos fazemos. Todos os bens da Criação são recebidos por nós deste modo, ou seja, como dons. A confissão no Deus Criador não é, portanto, em sua origem, da ordem do conceito, mas da acolhida da Criação como dada a nós.

Mateus nos indica ainda que o olhar ao qual nos convida Jesus leva ao reconhecimento Daquele que é fonte do dom. De novo aqui, mais que se perguntar pelo porquê do mundo, Jesus nos convida a reconhecer o Doador que cuida assim dos pássaros do céu e reveste de tal glória os lírios do campo.
A Criação como realidade doada, convida à compreensão de sua origem, não para dominá-la e manipulá-la, mas para tornar o dom uma benção fecunda para todos.

No fundo, trata-se de reconhecer que a Criação “dada-a” é “doada-por”. Ela deve, por isso, ser recebida como fecundidade, não como algo que é objeto de conquista e domínio. Isso fundamenta não um fazer produtivo, mas um agir compartilhado: “trabalhar com” o Criador, levando a Criação á sua plenitude.

Segundo o relato bíblico, a primeira vocação do ser humano é a de ser jardineiro, pois recebeu do Criador a missão de cuidar e preservar a Sua “vinha”: lugar onde os homens, as mulheres e as crianças convivem em harmonia e compartilham os frutos abundantes das videiras. Existimos para acariciar a terra, para prepará-la, para fertilizá-la, para cuidá-la, para torná-la bela.
Mas que coisas horríveis fizemos com a vinha que herdamos!
Quando observamos vinhas outrora verdejantes e agora destruídas ou entulhadas de lixo, uma sensação de violação, de tragédia, quase de sacrilégio, se manifesta no nosso interior. E uma voz ecoa das profundezas da destruição: “Quê fizestes de minha vinha?”.
O cuidado e a beleza da vinha impõe-se ao desejo consumista desenfreado, pois somos jardineiros e não exploradores.

O que caracteriza essa nova atitude é o cuidado em lugar da dominação, o reconhecimento do valor de cada criatura e não sua mera utilização humana, o respeito por toda forma de vida e os direitos e a dignidade da natureza, não sua exploração.
Assim, o exercício do cuidado, por parte do ser humano, deve significar respeito à ação criativa divina, contribuir com o crescimento e a evolução, garantir a sua continuidade, cuidar e fazer da vinha uma fonte de bênçãos, ou seja, de comunhão com ela e, a partir dela, harmonia interior, comunhão com as outras pessoas e estreitamento de relações com o próprio Criador.
Quem sabe, um dia, os seres humanos olharão novamente para a vinha do Senhor com olhos encantados e sofrerão ao vê-la violentada pelos vândalos que a estupram em nome do crescimento econômico.

 

Texto bíblico: Mt 21,33-43 / Is 5,1-7

Na oração: Este sentido profundo nasce do uso que fazemos de nossa imaginação na oração para contemplar cenas da vida de Cristo no Evangelho. Nela, somos convidados a entrar na cena como se formássemos parte do mundo natural: a semente plantada, a tumba de Cristo de pedra talhada, o azeite que unge os pés de Cristo, a água que lava os pés dos apóstolos, as flores, os pássaros… Tais contemplações provocam em nós sentimentos de gratidão e nos impulsionam à ação em favor da Criação. A contemplação destas cenas nos dá valor e um novo tipo de humildade reverencial pelo dom da criação – as mesmas virtudes que Jesus cultivou seguindo a Vontade do Pai.
A combinação desta nova linguagem de imagens, junto ao assombro e à graça da criação, tem o poder de plenitude. Ao entrar na contemplação adotando o ponto de vista da terra, experimentamos uma profunda sensação de harmonia e de cura.
— assumir gestos de cuidado para com o meio ambiente: reduzir, reciclar, reutilizar, replantar…

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