29º Domingo do Tempo Comum – A viúva indignada: a força da voz dos marginalizados

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29º Domingo do Tempo Comum — Ano C
A viúva indignada: a força da voz dos marginalizados
Faze-me justiça contra meu adversário!“. (Lc 18,3)
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ

A parábola da viúva e do juiz sem escrúpulos é, como tantas outras, um relato aberto, provocativo e que pode despertar nos ouvintes diferentes ressonâncias. Segundo Lucas, trata-se de um chamado a orar sem desistir, mas é também um convite a confiar no Deus que fará justiça àqueles que lhe clamam dia e noite.
Que ressonâncias pode ter hoje em nós este relato dramático de uma viúva e que nos recorda tantas vítimas abandonadas injustamente à sua sorte?

O evangelista Lucas, ao narrar esta breve parábola, nos indica a intenção de Jesus ao falar para os seus discípulos sobre a necessidade de orar sempre, e nunca desistir”. Este tema é muito frequente em Lucas e, em várias ocasiões, repete a mesma ideia. Como é natural, a parábola foi lida quase sempre como um convite a cuidar da perseverança de nossa oração na relação com Deus.
No entanto, se observarmos o conteúdo do relato e a conclusão do mesmo Jesus, vemos que a chave da parábola é a sede de justiça. Até quatro vezes se repete a expressão “fazer justiça”.
Mais que modelo de oração, a viúva do relato é exemplo admirável de luta pela justiça em meio a uma sociedade corrupta que abusa dos mais fracos.

O primeiro personagem da parábola é um juiz que “não temia a Deus, e não respeitava homem algum”.  É a encarnação exata da corrupção que os profetas denunciaram repetidamente: os poderosos não temem a justiça de Deus e não respeitam a dignidade nem os direitos dos pobres. Não são casos isolados. Os profetas sempre desmascararam o sistema judicial em Israel e a estrutura machista daquela sociedade patriarcal.
Ao dizer-nos que este juiz não se importava nem com Deus nem com os homens, está dando destaque à índole dele: uma pessoa terrível, sem princípios, à margem de toda lei e à margem de todos.
O segundo personagem é uma viúva indefesa em meio a uma sociedade injusta. Por uma parte, vive sofrendo os atropelos de um “adversário” mais poderoso que ela. Por outra, é vítima de um juiz que não se importa em absoluto com a pessoa da pobre viúva e nem com o seu sofrimento. Assim vivem milhões de mulheres em todos os tempos e em todos os lugares.
As viúvas eram, nos tempos de Jesus, juntamente com os órfãos e estrangeiros, a expressão da máxima pobreza e vulnerabilidade, pois viviam sozinhas e desamparadas, não tinha ninguém para protegê-las e ampará-las, e muitos, sem escrúpulos, costumavam abusá-las. Marginalizadas, não tinham maridos e nem filhos para defendê-las; não contavam com apoios governamentais ou da religião. Só tinham adversários que as exploravam. Já os antigos profetas tinham chamado a atenção sobre este drama humano.

À pobre mulher do evangelho deste domingo só lhe restava a voz para clamar por justiça a um juiz sem religião e sem sentimento humano; finalmente ele cede e lhe concede justiça, não por compromisso ético, mas para que a viúva o deixasse em paz.
O que a mulher lhe suplica não é um capricho pessoal. Só reclama justiça. Este é seu protesto, repetido com firmeza diante do juiz: “faze-me justiça!”. Sua petição é a de todos os oprimidos injustamente. Um grito que está na linha daquilo que Jesus dizia aos seus discípulos: “Buscai o Reino de Deus e sua justiça!”

Na parábola, Jesus nos surpreende a todos pelo fato de um juiz injusto fazer justiça à pobre viúva. Evidentemente este juiz não é imagem de Deus. Não temos de “ganhar” o coração de Deus através da força da insistência. Essa imagem está muito longe do “Abbá” que Jesus nos revela como Boa Notícia.

No entanto, Jesus marca a distância entre o que diz e faz o juiz injusto e o modo de atuar de Deus Pai.
Deus é justiça e está sempre pronto a fazê-la valer. Na visão bíblica, Deus é justo porque Ele é bom; na essência, a justiça é a bondade de Deus para com todos os seus filhos e filhas. Aqui estamos bem longe da justiça jurídica, própria dos tribunais humanos.
Diante da tentação que nos leva a pensar que Deus é um juiz que não atende a todos, Jesus nos convida a mudar nossa visão e descobrir a verdadeira essência de Deus, a descobrir que, muitas vezes, a justiça que Deus quer realizar fica travada pelo nosso comportamento injusto, pois, muitas vezes, nos tornamos um obstáculo à justiça de Deus.

Suplicar sem desfalecer e com fé é abrir-nos à justiça de Deus para descobrir nossa responsabilidade e a parte que nos toca viver naquilo que estamos pedindo. A súplica é mobilizadora e desperta nossos melhores recursos para buscar aquilo que tanto desejamos.

Não basta insistir, pedindo a Deus que conceda a paz e a justiça em nosso mundo; somos nós, ali onde estamos e com todas as nossas possibilidades, construtores de paz e de justiça; paz e justiça que o Espírito do Senhor infunde em nossos corações. Construir o Reino é trabalhar no fluxo da justiça de Deus. A graça de Deus vem ao encontro de nossos desejos e os tornam oblativos, operativos…
Na conclusão da parábola, Jesus não fala da oração. Antes de mais nada, pede confiança na justiça de Deus. Não fará Deus justiça a seus eleitos que lhe gritam dia e noite?” Estes eleitos não são os membros de uma determinada religião, mas os pobres de todos os povos que clamam pedindo justiça. Deles é o Reino de Deus.

Finalmente, Jesus lança uma pergunta que é um grande desafio para todos nós, seus seguidores e seguidoras: “Mas o Filho do Homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” Ele não está pensando na fé como adesão doutrinal, mas na fé que se sensibiliza diante da atuação da viúva, modelo de indignação, resistência ativa e coragem para reclamar justiça aos corruptos de plantão.
Por que nossa comunicação com Deus não nos faz escutar o clamor daqueles que sofrem injustamente e nos gritam de mil formas: “faze-nos justiça?”. Se, ao orar, nos encontramos de verdade com Deus, como não somos capazes de escutar com mais força as exigências de justiça que chegam até seu coração de Pai?

Nesse sentido, a nossa oração de seguidores de Jesus só é “eficaz” quando nos faz viver com fé e confiança no Pai e em atitude solidária com os irmãos. A oração é “eficaz” porque aumenta nossa fé e nos faz mais humanos; abre nossos ouvidos do coração para escutar a Deus com mais sinceridade, vai purificando nossos critérios e nossa conduta daquilo que nos impede ser mais fraternos. Ela sustenta nosso viver cotidiano, reanima nossa esperança, fortalece nossa fragilidade, alivia nosso cansaço.
Aquele que aprende a dialogar com Deus e a invocá-Lo “sem nunca desistir”, vai descobrindo onde está a verdadeira eficácia da oração e para quê “serve” rezar. Simplesmente para viver com mais sentido, inspiração e compromisso. Oração sem presença solidária é vazia.

Jesus sempre deixa transparecer a imagem de um Deus desprovido de dogmatismos, um Deus desprovido também de controle e arbitrariedade. O Deus de Jesus não é um juiz com um catálogo de leis que tem necessidade de mandar, controlar, verificar… Basta-lhe a misericórdia, a compaixão…

A misericórdia de Deus constitui a resposta à indigência e ao clamor do ser humano. Ela oferece a possibilidade de pôr de lado o julgamento e a condenação. O passado de erros e fracassos é substituído pelo presente de aceitação e perdão.
Onde não há misericórdia, não há sequer esperança para o ser humano.
Existem “viúvas” que clamam dentro de nós. Enquanto o Reino de Deus estiver no nosso meio, o “juiz interior” não terá nenhuma chance, estaremos sãos e salvos, livres dos seus juízos, de suas expectativas e exigências, de suas acusações e sentenças. Nesse espaço ninguém poderá nos ferir, nenhum inimigo terá acesso, seja ele interior ou exterior.

Texto bíblico: Lc 18,1-8

Na oração: A parábola deste domingo nos interpela a todos: continuaremos alimentando nossas devoções privadas, nossas mortificações estéreis, nossas penitências vazias, esquecendo aqueles que vivem sofrendo injustiças? Continuaremos orando a Deus para pô-lo a serviço de nossos interesses, sem que nos importemos com as injustiças que há no mundo?

— “Tomar consciência” dos momentos em que o seu “juiz interior” emitiu seus “pareceres de morte”, seja na relação consigo mesmo ou com os outros.

Ilustração: IAS Agência (Liturgia Diária da Paulus, outubro’2025 – p.74)

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